Fazer um review sobre o que aconteceu nos últimos 10 anos em se tratando de internet me parece ser algo muito familiar. Vi o nascimento dos blogs, participando desde os pioneiros neste mercado, vi o crescimento dos motores de busca e sua transformação, as redes sociais se desenvolvendo dia após dia de uma maneira assustadora, tudo isso aconteceu muito rápido mas parece que a geração dos anos 90 nem notou.
Se para a maioria das pessoas acima de 40 anos a possibilidade de ver e falar com alguém que está do outro lado do país é ainda um mistério, essa (re)evolução nos meios de comunicação foi assimilada de uma forma que não alterou abruptamente a rotina das outras pessoas.
Quem hoje em dia sabe responder como vivia e como se comunicava antes do uso do celular? Com os negócios eram feitos? Como o conhecimento chegava e era comunicado sem as redes? Parece que esse mundo sem redes está muito distante, mas ele está bem próximo, a noção de tempo de todos nós foi alterada em função dessa percepção tempo x espaço que a internet proporciona.
Não há como prever, como uma meteorologia, o que será do mundo amanhã. Os estudos apontam tendências e mesmo assim parece haver uma cortina de fumaça sobre as coisas e o modo como elas serão.
A Cultura da Convergência, que Jenkins (2008) se refere, é ainda um terreno misterioso,mas o seu cerne é a modificação que vai além de um suporte. A exemplo da Biblioteconomia, que vem sofrendo intensas modificações e passando pelo momento de ruptura das suas "verdades", a quebra de seus paradigmas tão consolidados, a sociedade, ou melhor, a comunicação em sociedade, a maneira tradicional de se produzir, disseminar e consumir informação está nesse processo de ruptura com antigos paradigmas. Isso vai muito além do suporte, vai além de um aparelho, de uma tecnologia. Por isso a cultura da convergência. As mídias irão convergir, irão se transformar.
Estamos passando por esse período de transição, que poderá ser longo, do ponto de vista da percepção alterada sobre a qual já falei. Parece que convivemos com o celular desde que nascemos (e para os que nasceram depois de 1995 isso é até possível), o fato é que não nascemos. Não nascemos com um Ipod, nem com celular, nem com orkut, facebook ou twitter em nossas vidas, mas tudo isso foi tão incorporado na cultura que não vimos o tempo passar, e não veremos.
Me pergunto se haverá algum momento de constância, de estabilização das novas formas, e se sim, oque virá depois. Talvez não esteja aqui para ver, mas o certo é que a internet e as novas mídias estão modificando profundamente como as relações em sociedade se dão, estão modificando inclusive o tipo de aprendizagem que os jovens tem e isso terá forte impacto.
O processo não linear de leitura e aprendizado que o hiperlink trouxe para o dia-a-dia se exteriorizou e foi incorporado a todas as atividades das pessoas, não somente ao ato de navegar em um site. Hoje os jovens estão lendo um texto, ouvindo música, conversando com os amigos, tudo ao mesmo tempo, e não necessariamente que todas essas ações sejam realizadas somente no meio virtual, pelo contrário, as práticas que eles têm na internet se constituem como as práticas na vida real, fora da frente da tela. Isso acontece porque sequer é necessária a presença de um computador para isso: os telefones multimídias se ocupam dessas tarefas de uma forma mais prática.
Nesse contexto a produção e a construção colaborativa de conhecimento tem um papel único. A propriedade intelectual passa por uma crise jamais vista, talvez só comparada com a invenção dos tipos móveis por Gutenberg, que possibilitaram a difusão dos escritos antes propriedades sagradas da Igreja. Hoje parece haver uma modificação nos modos de produção intrínsecos ao capitalismo e as redes colaborativas vêm de encontro com esses valores individuais. A (des)construção da propriedade intelectual parece ser, além de inevitável, necessária.
Através da mediação tecnológica, uma grande quantidade de pessoas, dispersas geograficamente, e mesmo que nunca tenham antes interagido, pode trabalhar em um projeto comum de grandes dimensões e de relevante impacto social. Parte dessas pessoas pode ter como único interesse colaborar com a coletividade, sem fazer questão de assinar suas contribuições. (PRIMO, 2008, p. 65)
Como destacaria Adorno:
O malestar na cultura, entretanto, tem seu lado social - que Freud não desconhecia,· mas não examinou concretamente. Pode-se falar de uma claustrofobia da humanidade no mundo administrado, uma sensação de clausura em um contexto mais e mais socializado, densamente estruturado. Quanto mais apertada a rede, mais quer-se sair dela, muito embora sua própria estreiteza o impeça. (ADORNO, 1974)
Ao que parece, essa ambiguidade da sociedade moderna/pós-moderna tem frutos bons e ruins, os laços que se criam através das redes, são ainda uma reação aos meios que sufocam, uma reação a esse mundo administrado que provoca essa sensação de clausura. Adorno exemplifica o modo como as pessoas podem reagir a esses fatores com a bárbarie, abordando o Nazismo, mas existem outras formas mais produtivas e mais humanas de tentar fugir dessa rede que sufoca, e a desconstrução dos meios capitalistas através da internet é um desses meios.
Produzir informação e conhecimento passa a ser, portanto, a condição para transformar a atual ordem social. Produzir de forma descentralizada e de maneira não-formatada ou preconcebida. Produzir e ocupar os espaços, todos os espaços, através das redes. (PRETTO; ASSIS, 2008, p. 78)
Há quem faça pregações para a destruição de tudo que existe, como existe na forma atual. Ouvimos o anúncio do fim do livro, o anúncio do fim da televisão, do rádio e de todas as coisas como as conhecemos agora, mas é importante destacar que, como também coloca Jekinks (2008), por enquanto a Cultura da Convergência está no patamar do acesso, e o acesso ainda é restrito.
Contudo, devo reconhecer que nem todos os consumidores têm acesso às habilidades e recursos necessários para que sejam participantes plenos das práticas culturais que descrevo. Cada vez mais, a exclusão digital está causando preocupações a respeito da lacuna participativa. [...]muitas das atividades que este livro descreverá dependem de maior acesso às tecnologias, maior familiaridade com os novos tipos de interação social que elas permitem e um domínio mais pleno das habilidades conceituais que os consumidores desenvolveram em resposta à convergência das mídias. Enquanto o foco permanecer no acesso, a reforma permanecerá concentrada nas tecnologias; [...] (JENKINS, 2008, p. 49)
A exclusão digital é muito forte e os que detém a produção do conhecimento são os mesmos de sempre, a mesma classe de sempre: [...]são, de maneira desproporcional, brncas, do sexo masculino, de classe média e com nível de escolaridade superior. São pessoas que têm o maior acesso às novs tecnologias midiáticas e dominaram as habilidades necessárias para participar plenamente das novas culturas do conhecimento. (JENKINS, 2008, p.50). Jenkins se refere aos Estados Unidos, mas essa é uma realidade também aqui no Brasil. Isso pode ir se modificando aos poucos com ações que têm início nas bordas do processo. Mas essa transformação, se efetivada com abrangência da maiorias, levará ainda muito tempo. Por isso: "[...] o prazer de ler jornal na mesa do café da manhã e comer pipoca em uma sala escura diante de uma grande tela, ainda estará sendo vivenciado por muitos anos. (PRIMO, p. 66)"
Caso contrário, veremos sempre a hegemonia predominando as relações de produção, disseminação e consumo da informação. Quando o acesso for mais democrático, o patamar será da participação e aí sim, a Cultura da Convergência, processo que já foi iniciado, atingirá outra esfera e uma nova era será vista. Mas a transformação talvez não seja sentida tão fortemente pelos que estarão sendo sujeitos ao mesmo tempo produtores e consumidores dessa nova sociedade.
REFERÊNCIAS